LEGADO ESPIRITUAL DE SANTO AFONSO MARIA DE LIGÓRIO
SUA ESPIRITUALIDADE –
SEU– CAMINHO DE SANTIDADE
“Santo Afonso e sua espiritualidade”
Resumo do Legado Espiritual:
- Deus ama imensamente cada um de nós.
- Nossa vocação é amar a Deus em retribuição.
- Amamos a Deus quando realizamos sua santa vontade.
- O egocentrismo é nosso inimigo, por isso, conversão contínua.
- Não existe amor sem oração.
. Maria é modelo e intercessora.
Introdução
Todos os anos, no dia 1º de agosto, a Igreja festeja o dia de Santo Afonso de Ligório. (Afonso morreu em 1787, aos noventa e um anos). Este texto irá rever as principais fases de sua vida e os pontos principais de seus ensinamentos espirituais. De modo breve, porém básico, serão respondidas as seguintes questões: Que tipo de pessoa era Santo Afonso? Quais eram alguns de seus dons? Qual o legado espiritual que nos deixou?
O homem Afonso
Santo Afonso era uma personalidade extraordinária. O historiador Louis Vereeke, C.Ss. R., descreve-o para nós: “Ardente e ricamente dotado por natureza de uma delicada sensibilidade, uma vontade tenaz e inteligência profunda, Afonso era mais dado ao pensamento prático do que à pura especulação. Tinha, num grau raro, uma consciência do concreto, um senso prático. Em seu relacionamento com os outros, possuía nobreza de modos e era afável e benevolente com todos, especialmente com os pobres, e possuía um bom humor sorridente…” No decorrer de sua longa e enérgica vida, estas características tiveram bom uso.
Depois de crescer em uma família abastada e praticar advocacia durante alguns anos, aos trinta anos foi ordenado padre. Ocupou o resto de sua vida com suas numerosas realizações. Apenas cinqüenta e dois anos após sua morte, em 1839, Afonso foi canonizado. Em 1871 foi nomeado Doutor da Igreja, honra concedida a um pequeno número de teólogos durante a longa história da Igreja. Em 1950, a fim de reconhecer seus notáveis escritos de teologia moral, a Igreja o nomeou “o santo patrono dos teólogos e confessores”.
Suas realizações
Foram várias as realizações deste grande santo. Aqui estão algumas: Ele foi um pregador incansável da Palavra de Deus. Embora impossibilitado de dedicar tempo integral à pregação missionária, pregou, durante sua vida, em pelo menos 150 missões paroquiais. (Estas missões paroquiais duravam de duas a quatro semanas). Sempre que possível, dava preferência às comunidades e pessoas privadas de ajuda espiritual. Foi brilhante erudito e escritor popular. Publicou pelo menos 128 trabalhos sobre teologia e sobre a vida espiritual. Seus trabalhos estão traduzidos para 61 idiomas no mínimo, possuindo várias edições. Além disso, Ligório era poeta e músico consumado.
Em 1732 fundou a Congregação do Santíssimo Redentor . O propósito fundamental de sua comunidade religiosa era “trazer a boa nova aos pobres”. (Existem cerca de 5.600 missionários Redentoristas trabalhando por todo o mundo.) Aos 66 anos, mesmo sofrendo gravemente de artrite, acatou o desejo do Papa para que fosse consagrado bispo e servisse a diocese de Santa Ágata. Ele não apenas administrou habilmente esta diocese por treze anos, e efetuou reformas necessárias. Morreu em primeiro de agosto de 1787.
Seu Legado Espiritual
Considerando todos os diferentes tipos de trabalhos que Santo Afonso fez para o reino de Deus, pode parecer precipitado tentar estabelecer sua maior realização. Entretanto, talvez a maior delas tenha sido sua habilidade em pregar o Evangelho e explicar a espiritualidade Católica de maneira que as pessoas simples pudessem prontamente entender. A popularidade mundial de seus escritos espirituais pode ser atribuída à sua intuição compreensiva da condição humana e ao seu estilo prático. Embora seja impossível resumir num pequeno livrete todos os ensinamentos espirituais de Santo Afonso, o panorama apresentado aqui pode nos suprir de luz e inspiração. As questões seguintes são essenciais ao entendimento do que é freqüentemente chamado de “espiritualidade afonsiana”. Elas abrangem o que designamos como seu legado espiritual.
1 – Nosso chamado à Santidade
Diferente dos severos professores de seu tempo, Santo Afonso afirmava que Deus chama todos os homens e mulheres à santidade. Não era necessário correr para o deserto ou entrar para um monasteiro a fim de alcançar a santidade; não era obrigatório que alguém desistisse do “mundo”, do casamento ou da família. Uma citação explica sua opinião: “É um grande erro dizer: Deus não quer que todos sejam santos. São Paulo disse: ‘A vontade de Deus é esta: a vossa santificação’ (1Ts 4,3). Deus quer que todos se tornem santos, cada um em sua ocupação; o religioso exatamente como um religioso, o secular com um secular, o padre como um padre, o casado como uma pessoa casada, o comerciante como um comerciante, e as outras pessoas de acordo como caminham na vida”.
2 – O Amor de Deus por nós
Para Santo Afonso, santidade significa o amor de Deus. Tudo mais é secundário. O Amor vem primeiro. A frase “o amor de Deus” tem duas dimensões: o amor de Deus por nós e nosso amor por Deus, em retribuição. Santo Afonso tentou de diversas maneiras fazer com que as pessoas compreendessem o quanto Deus as ama. Um tema sempre presente em seus escritos: Lembre-se o quanto Deus tem amado você! Uma típica frase sua: “Se o amor de todas as pessoas, todos os anjos, todos os santos fossem colocados juntos, eles não se igualariam à menor parte do amor de Deus por você”. Esse amor de Deus por seu povo é manifestado de forma visível na pessoa de Jesus – a dádiva de amor do Pai. Para Santo Afonso, Jesus Cristo é tudo!
Dificilmente encontra-se uma página em seus escritos onde o nome de Jesus não aparece. Com ênfase particular ele escreveu sobre “os grandes sinais” do amor de Jesus por nós: sua Encarnação, Paixão e Morte, e a Eucaristia. Ele insiste para que todos meditem com freqüência sobre “a manjedoura, a cruz e o tabernáculo”. É digno notar que Santo Afonso escreveu um livro inteiro para cada um destes grandes mistérios cristãos. Além disso, dois de seus livretes, O Caminho da Cruz e Visitas ao Sagrado Sacramento ainda são best sellers pelo mundo.
3 – Nossa Redenção
De todos os mistérios cristãos, a Paixão e morte de Jesus Cristo foi o que tocou Santo Afonso mais profundamente. Ele freqüentemente pregava e escrevia sobre esse fato; recomendava a todos que meditassem diariamente sobre esse tópico. Para Santo Afonso, o fato do Pai ter enviado Jesus, seu Filho amado, para sofrer e morrer pelos nossos pecados, era um sinal de “amor inacreditável”.
O mistério da Redenção era um ato de amor tão grande da parte de Deus, que Santo Afonso escreveu: “Deus está com problemas, louco de amor, perdeu a cabeça de tanto amor”. A imaginação vívida e a ternura italiana de Santo Afonso estão presentes nos seus escritos sobre o sofrimento e a morte de Jesus. Entretanto, como mostra Joseph Oppitz, C. Ss. R., “sua preocupação com a Paixão não era um interesse mórbido em sofrimento, sangue e morte…, mas sim uma realização vívida do significado existencial da Cruz, passado, presente e futuro, na parcimônia da vontade de salvação de Deus”. Para Afonso, o sofrimento de Jesus era, acima de tudo, os sinais visíveis de seu imenso amor por nós. Por isso deu este conselho: “Pensando na Paixão de Jesus, não devemos refletir tanto sobre os sofrimentos pelos quais passou em conseqüência do amor com o qual perturbou as pessoas”.
4 – Nosso Amor a Deus
O grande amor de Deus por nós, manifestado em Jesus, exige nosso amor em retribuição. Em um dos livros mais famosos de Santo Afonso, A Prática do Amor a Jesus Cristo, a frase inicial é esta: “A total santidade e perfeição de uma alma consiste em amar Jesus Cristo, nosso Deus, nosso bom soberano e nosso Redentor”. Porém, como nós humanos podemos responder melhor ao amor de Deus? Para Santo Afonso, é imitando Jesus, que disse de si mesmo: “Porque desci do céu não para fazer a minha vontade, mas a vontade de quem me enviou” (Jo 6,38).
Ecoando este princípio evangélico, Santo Afonso desenvolveu um resumo básico a respeito de nossa resposta ao amor divino. Neste resumo, temos o que é mais característico da espiritualidade de Afonso: “Toda santidade consiste no amor de Deus, e este amor consiste em conformidade à vontade divina; assim, toda santidade consiste em conformidade à vontade divina”.
Em sua grande intuição, Santo Afonso sabia o quanto seria fácil nos enganarmos na vida espiritual. “Algumas pessoas, escreveu Afonso, desejam tornar-se santos, mas à sua maneira. Elas querem amar Jesus Cristo, mas a seu modo… Elas amam a Deus, mas em seus termos.”
O verdadeiro teste de amor é nossa aceitação da vontade divina. Afonso dizia que esta vontade está manifestada nas Escrituras, a Palavra Viva de Deus, e na Igreja, guiada pelo Espírito que ensina questões de fé e moral com a autoridade do próprio Deus. Além disso, a vontade divina nos é mostrada nos deveres e responsabilidades da nossa vocação – e muito concretamente, nas circunstâncias particulares da nossa vida aqui e agora .
“O ponto principal está em abraçarmos a vontade de Deus em todas as coisas que nos acontecem. Os santos também estão de acordo nas circunstâncias contrárias ao seu amor próprio. É nisto que é mostrada a perfeição do amor de Deus.” 5 – Nosso Amor ao Próximo O amor a Deus sempre vem primeiro. “Este é o maior e o primeiro mandamento” (Mt 22,38). Entretanto, o amor ao próximo também é essencial porque é um mandamento “igual ao primeiro”. Santo Afonso viu uma estreita relação entre esses dois mandamentos. “Por que devemos amar nosso próximo? Porque ele é amado por Deus! Devemos amar todos aqueles que Deus ama.”
Assim como nosso amor por Deus deve ser mostrado de forma prática e concreta, devemos também mostrar nosso amor pelo próximo. Santo Afonso enfatiza que os seguidores de Jesus Cristo devem “viver pacificamente juntos” e praticarem a “tolerância mútua”.”Se desejas praticar a bela virtude da caridade, escreveu Afonso, empenhe-se em rejeitar todo julgamento precipitado, toda desconfiança, toda suspeita infundada em seu próximo.”
Além disso, todo verdadeiro seguidor de Cristo possui o sério dever de ajudar os pobres e os necessitados. Santo Afonso dizia que devemos compartilhar com os pobres não apenas o que temos em abundância mas até mesmo, se necessário, aquilo que consideramos essencial para nós.
6 – Nosso desprendimento
Uma palavra sempre presente nos escritos espirituais de Santo Afonso é a palavra italiana distacco. É difícil traduzir esta palavra para o Português. Normalmente é traduzida como desprendimento. A idéia básica é esta: O amor de Deus deve ser a primeira prioridade para o cristão. Ele deve esforçar-se constantemente para estar de acordo com a vontade divina. Qualquer coisa que pareça vir antes do amor de Deus deve ser corajosamente colocada de lado.
Santo Afonso sabia claramente que o maior inimigo do verdadeiro amor de Deus era o falso amor ao ego. O egocentrismo, a seus olhos, era a raiz de todo mal. “Muitas pessoas fazem da vida espiritual uma profissão, escreve Afonso, mas são adoradores de si mesmos.” Este egocentrismo mostra-se na ambição exagerada, no temor ao respeito humano, no orgulho. Distaco é o esforço consciente do cristão para dominar a praga do egocentrismo.
7 – Nossos atos de mortificação
Na espiritualidade de Afonso, é a mortificação que prepara o desprendimento. A mortificação refere-se ao ideal cristão de “morrer para si”; refere-se à luta contra o egocentrismo, a fim de que o amor de Deus fique livre para crescer e desenvolver-se. É uma faceta dos ensinamentos de Jesus: “Quem procurar a sua vida, há de perdê-la; e quem perder a sua vida por amor de mim, há de encontrá-la” (Mt 10,39).
Santo Afonso gostava de fazer uma distinção entre a mortificação externa e interna. A mortificação externa refere-se à disciplina dos sentidos, tais como o jejum, a abstinência, o controle das palavras, a modéstia dos olhos. A mortificação interna refere-se à disciplina do coração, isto é, o controle das paixões e do amor próprio desordenados.
De acordo com Afonso, certamente existe lugar para mortificações externas na vida dos cristãos, No entanto, Afonso acreditava que a mortificação interna era muito mais importante e muito mais rara. Ele escreveu sobre aqueles que se ocupam com jejuns e outras austeridades corporais, mas que ao mesmo tempo “não se esforçam para superar determinadas paixões, por exemplo, certos ressentimentos, aversões, curiosidades e apegos perigosos”. Tais cristãos, para Santo Afonso, não serão capazes de progredir na verdadeira santidade.
8 – Uso da Oração
Santo Afonso muitas vezes é descrito como “Doutor da Oração”. Por considerar a oração tão essencial para a vida cristã, escreveu vários livros inteiramente dicados a ela. De todos seus livros, considerava seus tratados de oração mais valiosos para as pessoas simples. Em suas orações, encontramos sua melhor compreensão teológica. Afonso opôs-se com vigor aos teólogos rígidos que consideravam a oração domínio apenas de uma elite espiritual. Ele dizia que orar era possível a qualquer pessoa: Deus concedeu a todos os homens e mulheres, até aos mais pecadores, a graça de orar. Devemos pedir a Deus qualquer graça de que necessitemos e ela nos será concedida!
9 – Orações para pedir
Há uma forte ênfase nos ensinamentos de Santo Afonso sobre as orações que pedem alguma coisa. Alguns professores e pregadores daquela época rebaixavam essa oração insinuando que ela não era “pura ou elevada” o suficiente para as pessoas santas. Santo Afonso rejeitava esse ponto de vista. Ele insistia que ouvíssemos, de preferência, os ensinamentos de Jesus: “Pedi e será dado; buscai e acharei; batei e será aberto” (Mt 7,7).
Para Santo Afonso, os santos tornaram-se santos porque oravam! “Todas as graças, por meio das quais tornaram-se santos, foram enviadas a eles como respostas às suas preces.” Esse mesmo caminho está aberto para cada um de nós. “Precisamos de humildade; deixe-nos pedi-la e seremos humildes. Precisamos de paciência nas tribulações; deixe-nos pedi-la e seremos pacientes. O que desejamos é o amor divino; deixe-nos pedi-lo e ele nos será dado.”
10 – Oração a Maria
De modo muito especial, Santo Afonso insistia para que rezássemos a Maria, nossa Mãe abençoada. Ele escreveu um tratado completo sobre o papel de Maria no plano de salvação de Deus: As Glórias de Maria. Por ser tão amada por Deus e responder totalmente a este amor, ela deveria ser nosso modelo na vida cristã. Além disso, Maria é capaz de interceder por nós. “Ela é cheia de graça; porém, esta plenitude não foi concedida apenas para si, mas também para que compartilhasse conosco.”
11 – A Importância da Meditação
Santo Afonso também enfatizava a meditação freqüente, isto é, a reflexão interior e a resposta à Palavra de Deus. “As verdades de fé são realidades espirituais, não podem ser vistas com olhos físicos, mas apenas com os olhos da alma, por meio da reflexão e meditação.” Muitas vezes Afonso comparava a meditação ao fogo. “A meditação afeta a alma como o fogo afeta o ferro. Se o ferro está frio, é muito duro e só pode ser moldado com muita dificuldade. Porém, coloque-o no fogo e logo ele amolece e cede aos esforços do ferreiro… Assim é nosso coração: freqüentemente duro e obstinado. Mas sob a ação das graças que recebemos na meditação, nosso coração torna-se flexível, dócil e pode ser moldado por nosso Mestre e Senhor.”
Entretanto, para Santo Afonso, a meditação não deve consistir demais em especulações abstratas sobre as verdades da fé. Muito mais importante, diz ele, é a afeição do coração que acompanha esta reflexão. “Após ter meditado sobre algumas verdades eternas, e Deus ter respondido ao seu coração, você deve também falar a Deus. Faça isto, inicialmente, dando forma às afeições, aos atos de fé, aos agradecimentos, à humildade ou esperança, mas acima de tudo através de atos de amor e contrição.
12 – Devoção à Eucaristia
A grande oração de louvor e agradecimento é a celebração do sacrifício e sacramento da Eucaristia. Santo Afonso encorajou católicos a se juntarem sinceramente na celebração da Eucaristia, fazendo os propósitos básicos pelos quais ela foi instituída, propósitos deles próprios: “Primeiro, honrar e glorificar a Deus. Segundo, agradecê-lo por todas as graças e benefícios. Terceiro, tomar satisfações de nossos pecados e dos pecados dos outros. Quarto, adquirir as graças de que necessitamos”.
Mesmo fora da Missa, como nos ensina a Igreja, a Eucaristia deve ser reverenciada com grande devoção. Esta devoção estava no coração de Afonso. Em seu famoso Visitas ao Sagrado Sacramento, ele oferta uma ampla variedade de sentimentos e orações para esta devoção. A verdade básica está contida nesta frase: “Deixe-nos, então, nos aproximarmos de Jesus com grande confiança e afeição; permita nos unirmos a ele e pedir suas graças”.
Conclusão
Vários outros temas da espiritualidade de Santo Afonso valem a pena serem considerados, mas estes são suficientes no momento. O que foi feito aqui, em comemoração ao segundo centenário de sua morte, foi para lembrarmo-nos do legado espiritual de Santo Afonso e focalizarmos o coração de seus ensinamentos espirituais:
- Deus ama imensamente cada um de nós.
- Nossa vocação é amar a Deus em retribuição.
- Amamos a Deus quando realizamos sua santa vontade.
- O egocentrismo é nosso inimigo, por isso, conversão contínua.
- Não existe amor sem oração.
. Maria é modelo e intercessora.
“Santo Afonso e sua espiritualidade”
DANIEL L. LOWERY, C.Ss.R Tradução de Luciliam de Castro Raña Título original: ST. ALPHONSUS LIGUORI – His Spiritual Legacy © Liguori Publications, 1987