Todos temos medo de muitas coisas. Experimentamos, porém, um medo mais radical e profundo que é o medo da solidão. Que medo é esse?
Para tentar entender, procure imaginar o medo que experimenta uma criança que é obrigada a atravessar sozinha uma floresta em noite escura. Ela tem medo, mesmo que consigamos explicar a ela, com argumentos racionais, que não há perigo algum na floresta. No mesmo instante em que ela é deixada sozinha no meio da escuridão, o medo toma conta: é um medo essencialmente humano, que não é temor de alguma coisa, mas o medo em si.
Vejamos outro exemplo: se alguém tiver que ficar sozinho com um morto durante a noite, sentirá certamente algum tipo de receio, mesmo que se esforce em se convencer racionalmente de que seus sentimentos carecem de base. Sabe perfeitamente que o morto nada lhe poderá fazer e que sua situação talvez fosse muito mais perigosa, se ele ainda estivesse vivo. O medo que ele sente não é medo de alguma coisa, mas da lúgubre solidão em si, da fragilidade da existência, frente a frente com a solidão da morte.
Quando o nosso medo tem objeto, pode ser facilmente superado pelo afastamento de sua causa. Por exemplo: o medo de um cachorro feroz, é eliminado prendendo-o. No caso do medo da solidão, porém, deparamo-nos com algo muito mais profundo. Quando somos envolvidos pela solidão última, não tememos uma coisa determinada; tememos a própria solidão e experimentamos o horror e a fragilidade do próprio ser, impossíveis de serem vencidos racionalmente.
Nos dois casos descritos, como poderá ser superado o medo? A criança perderá o medo no momento em que sua mão sentir o aconchego de outra mão amiga, em que soar outra voz falando com ela, ou seja, no instante em que experimentar a presença de uma pessoa bondosa. O que se encontra a sós com um defunto, também sentirá desaparecer o receio, se houver alguém em sua companhia, e sentir a proximidade de um “tu”. A superação do medo revela, ao mesmo tempo, qual é a natureza do medo da solidão: é o temor de um ser que somente pode viver com outros. O medo propriamente dito não pode ser vencido pela razão, mas exclusivamente por uma presença amorosa.
Procuremos dar um passo adiante.
Há, porém, uma solidão onde palavra humana alguma consegue penetrar; existe uma solidão que nenhum “tu” consegue alcançar. Estamos aqui diante da experiência da solidão total, daquilo que a fé denomina “inferno”. O inferno é exatamente isso: designa uma solidão em que o amor já não penetra. O inferno é a noite, em cuja solidão voz alguma ecoa. E nessa lúgubre solidão, entramos pela porta da morte, porta essa que só podemos atravessar sozinhos; ninguém, por mais amigo que seja, pode nos acompanhar. Todo o medo do mundo, no fim das contas, nada mais é do que medo diante desta solidão e desta passagem tenebrosa.
A partir disso, compreende-se porque o Antigo Testamento conhece apenas uma palavra para conotar o inferno e a morte: sheol. Com efeito, para o Antigo Testamento, inferno e morte são realidades idênticas. A morte é a solidão pura e simples; e a solidão à qual não pode chegar o amor é o inferno.
Ao tomar consciência do que é a solidão do inferno, ganha uma luz nova o artigo da fé no qual os cristãos confessam que Jesus Cristo “desceu à mansão dos mortos”. Cristo atravessou as portas da nossa solidão derradeira. Em sua paixão, Ele desceu ao abismo do nosso abandono. Onde voz alguma pode chegar, ali Ele se encontra, onde amor algum penetra, lá Deus-Amor está.
Foi assim que o inferno foi vencido ou, mais exatamente, a morte, que antes era o inferno. A morte não é mais o inferno! Ambas as coisas não são mais a mesma coisa, porque em seu centro está a Vida, porque em seu meio habita o Amor.
Depois da páscoa de Cristo, só o fechar-se voluntariamente é inferno, ou, como diz a Bíblia, é a morte segunda (Ap 20,14). A morte, porém, não é mais necessariamente um caminho para a solidão. As portas do sheol foram abertas por Cristo. As portas da morte estão abertas, desde que na morte reside a Vida e o Amor; desde que Cristo “desceu à mansão dos mortos”.
Dom Julio Endi Akamine SAC